Rio, 13 de agosto de 1946
Clarice querida,
Muito obrigado pelo seu cartão-postal de Berna.
Espero que vocês se tenham dado bem aí:
que não lhes aconteça o mesmo que ao Ribeiro Couto, de quem acabo de receber uma carta melancólica – tão melancólica e desanimada que me espantou.
Parece que o poeta anda abafado com as sombras do Jura.
Até voltou a poetar no estilo adolescente do Jardim das confidências.
Não me venha denegrir aquela viagem de ônibus para Copacabana. Você falou de si mesma e de literatura, mas fui eu que provoquei, porque me interessava conhecer o mecanismo de suas criações.
Seu nome aparece freqüentemente nas críticas e crônicas literárias, citado a propósito de outros autores.
O mês passado tive que funcionar na Academia para fazer o discurso de saudação ao Peregrino Júnior.
O imprudente falou durante uma hora e quarenta minutos, entregando-me um auditório sovado e sonolento.
Mas o meu discurso foi uma brincadeira do princípio ao fim.
A propósito dos trabalhos de biotipologia do Peregrino lancei em plena Academia a Nova – Gnomonia com seus parás, mozarlescos, quernianos, onésimos e dantas.
Zombei do fardão e do lema “Ad immortalitatem”, com tanto jeito que fui depois sorridentemente felicitado até pelos acadêmicos mais enfatuados da glória acadêmica.
Escreva-me Clarice. Escreva carta. Um cartãozinho seu já é uma delícia. eu quero a delícia maior das cartas. E fale de você. Fale muito de você. Nunca tenha medo de falar de você para mim.
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